domingo, 11 de novembro de 2012

Comer na França

Na França, especialmente na Provence, comer merece um capítulo à parte.

O cuidado e a importância que tem uma refeição, no que concerne ao seu sabor e à sua aparência, é algo que parece ensaiado e premedidato, mas que é na verdade inerente à cultura desse povo.

Você pode escolher desde o mais simples ao melhor dos restaurantes, passando pelos improvisados e por aqueles onde só há uma portinha, um atendente e mesinhas na calcada, que certamente seu prato sairá no capricho. Suas papilas gustativas podem até não se apaixonarem pelo sabor do prato, mas seus olhos ficarão animadinhos quando virem o que for colocado à sua frente.

Vide estas lindezas aqui:




 Mas nem tudo é regozijo!

Você está na França e não pode exigir que seu talher seja exatamente brilhante e sem manchas, que seu vinho seja sempre servido em taça de cristal (tomar vinho não é um acontecimento, faz parte do cotidiano... eita povo feliz) e que seu copo venha sem pingos seculares nas suas paredes.
Mas, sobre todas as coisas, você não pode ter pressa e exigir agilidade no serviço.

A coisa funciona assim:

- você chega e espera que alguém do restaurante olhe para você;

- você reza para que quem olhou não te pergunte se você fez reseva e se perguntar e você disser que não, você reza para a pessoa ir com a sua cara e te oferecer a pior mesa do salão... aceite de bom grado;

Achou tudo isso frescura? Simples, ligue e reserve. Não quer escolher com antecedência onde vai comer ou não domina a língua? Entre no clima e curta a formalidade deles. Chegue cedo, assim que o restaurante abrir, assim quem sabe vão deixar você sentar mesmo sem ter feito a tal da reserva.

O que é melhor? Saber que o lugar não tem vaga e sair em busca de outro ou ficar numa fila de 40 a 60 minutos do lado de fora esperando algum cristão ir embora para você sentar, como é de praxe aqui em São Paulo?

Eu não acho que lá seja melhor ou pior; acho que é diferente e são as diferenças que fazem o encanto de conhecer outros lugares e outras culturas. Ou não é maravilhoso ficar espremido no meio de trocentas pessoas esperando por uma caña ou uma tapa em Madrid? Ou melhor ainda, na Andaluzia? Não é no mínimo uma experiência pedir um prato e uma bebida em NYC e a sua conta já vir junto, mesmo sem você a pedir? Eu acho tudo interessantíssimo.

Bem, a coisa continua:

- depois de conseguir a mesa você senta e espera pacientemente a pessoa trazer o cardápio... não, não peça nada nesse momento. O atendente (que geralmente é o dono do restaurante, garçom, quem limpa, quem cobra a conta, tudo na mesma pessoa) veio só trazer o cardápio e somente num segundo momento ele virá saber o que você quer beber... beber, porque seu prato vai ser anotado no terceiro momento;

- aí depois de esperar pacientemente pela comida que foi pedida no terceiro momento (aproveite para degustar seu vinho e uma entrada, se seu orçamento permitir) você espera ele te olhar para que seja pedida a sobremesa;

- não adianta pedir a sobremesa e logo a conta... uma coisa de cada vez;


Não te agradou? Não vai entrar no clima? Então não vá para a França, ou pelo menos não vá para a Provence, ou se for coma nos fast-food.

Eu adorei comer na Provence. Aproveitei cada cheiro, cada sabor, cada apresentação daqueles pratos.  Claro, em alguns momentos me irritei e não sou adepta de telefonar para reservar mesas porque não gosto de me sentir presa ou enquadrada, principalmente em viagem. Fomos numa pizzaria às 23 horas, havia várias mesas vazias e o dono disse que não poderíamos ficar porque não tínhamos reserva. Veja bem, 23 horas é tarde para comer na França! Sim, me irritei neste dia, mas na maioria das vezes simplesmente aproveitei.

Para os apreciadores de café saibam que pode haver uma recompensa ao final. Não, o café não é lá um café italiano, mas é bom e pode vir assim:

 Ou assim:





Não é meigo?


Have fun!!!






Impressões Provençais


- mais uma vez achei os franceses muito gentis;

- as cidadezinhas viraram verdadeiros polos turísticos... eu acho que não iria em alta temporada, mas nos meses intermediários tudo é relativamente tranquilo e vale muito à pena;

- certa vez fiquei impressionada com a luz de Lisboa... era porque eu ainda não havia conhecido a Provence;

- tudo virou ou loja, ou restaurante, ou local de comidinhas;

- nada é barato, repito, nada é barato, mas com 50 Euros ao dia e esquecendo que existem restaurantes com estrelas Michelin dá para fazer um bom estrago, especialmente no seu fígado;

- Avignon, St Remy e, sobretudo Arles, são cidades bem turísticas onde pouco se vê os locais... Aix é cidade com mais vida, com mais locais... seu povo parece ter um padrão de vida mais alto do que o das outras cidades;

- cinema com ótima programação em Avignon e mais ainda em Aix;

- o melhor: as ruas tem cheiros de ervas (ervas lícitas... vez ou outra uma ilícita também dá o ar da sua graça)... as ervas que condimentam tão bem a comida provençal tomam conta do aroma das calçadas... uma viagem para os sentidos;

- não tenha pressa na Provence... sua comida vai ser preparada com calma e vai demorar para chegar.. aproveite para tomar seu rosé e ver a vida passar;

Aix-en-Provence

Depois de quatro bem vividos dias em Arles fomos para Aix-en-Provence. A viagem de ônibus é mais fácil (horários, conexões) do que a de trem, custa 9 Euros e dura 1 hora e 30 minutos.

Ficamos no hotel Le Concorde que fica em uma das entradas do centrinho, longe do barulho do burburinho e perto de tudo para andar à pé. O hotel tem uma delícia de varanda, lugar bom para esticar os pezinhos depois de andar o dia todo.


Assim que chegamos fomos até a Oficine de Turisme para pegar mapas e decidir o que fazer na cidade. Não que Aix seja uma cidade grande, mas é bem maior do que as que havíamos estado por último, onde em um dia já se conhece tudo.
Fiquei impressionada com a Oficina de Turismo! Enorme, com várias telas interativas também de tamanho enorme, sei lá, tipo umas 40 polegadas, muitos atendentes, lojinha e mapas para todos os lados. Olha, mesmo que você não tenha o que fazer por lá, vá xeretar que vale à pena.

A principal avenida de Aix é a Cours Mirabeau. Hoje é uma avenida com bancos e algumas lojas de grifes de um lado e cafés chiquetosos do outro, cafés estes que foram frequentados por famosos intelectuais, como Cézanne, Émile Zola e Hemingway.


Aix, que é conhecida como cidade das mil fontes, chamava-se Aquae Sextiae na época da sua fundação (séc 123 a.C.).  Não sei se a cidade tem mil fontes, mas dá para ver muitas delas nas suas caminhadas e algumas são lindíssimas.





minha praça favorita
nesta fonte havia vinho rosé para ser gelado :)

Aix é a cidade natal do pintor impressionista Paul Cézanne. Para homenagear seu filho ilustre a cidade tem no chão das calçadas placas de metal com seu nome, formando um percurso pelos bairros onde viveu o pintor (circuito Cézanne). Seu atelier ainda está preservado e fica numa região próxima a Aix. Não fomos; deve ser legal para quem anda de bicicleta fazer um passeio até lá.

A cidade, que é centro universitário e conhecida por sua forte veia cultural, abriga vários museus, cinemas e galerias. Conhecemos o Museu Granet, onde estão os últimos Picassos, obras de Giacometti e, claro, de Cézanne.


Apesar da história e carga cultural, o que mais ficou nas minhas lembranças destes lindos dias em Aix foram as comidas e o vinho rosé.
Foi Aix que nos proporcionou a melhor comida da Provence.

Os três melhores lugares foram:

- La Cerise Sur Le Gateau, que não só tem nome lindo, mas também tem uma comida feita com muito cuidado pelo seu anfitrião. O prato estava delicioso e a sobremesa, acho que foi a melhor da viagem. Eu agredeci aos anjos e santos pelo bolo de chocolate com calda de côco que me fez uma mulher muito feliz.


 - L'Epicerie: uma salada Thai não só linda como deliciosa, foi seguida por uma tarte tartin muito querida.

 

 - Pasta Cosy: uma experiência gastronômica; seu anfitrião senta na mesa com você para discutir qual a melhor entrada, prato e vinho para aquela noite. As tapas de entrada são deliciosas e o Risoto de Lavanda foi o melhor prato da viagem e o melhor risoto que já comi na vida. Pena que não tenho fotos do lugar, o dia era de chuva e saimos sem camera, mas no trip advisor é fácil achar fotos e comentários de quem já teve o privilégio de ir lá.
a chuva chegando em aix


Uma ótima maneira de descansar a panturrilha e continuar vendo a cidade e vivendo um pouco a vida dos locais é pegar uma Diabline e fazer seu circuito inteiro. As diablines são tipo mini vans que fazem três circuitos pela cidade. O custo é de somente 50 centavos de Euro, cabem 5 ou 6 pessoas dentro e no circuitos que fizemos somente nós éramos turistas; o restante dos passageiros que entravam e saiam eram velhinhos que se conhecendo ou não, iam no meio do caminho falando sobre as intempéries das suas vidas. Adorei!













Alguns bate e volta na Provence

Como já comentei num post anterior, nossa viagem pela Provence não foi feita de carro, que é talvez o melhor e mais flexível meio de transporte para andar pela região.

A escolha pelo trem ou ônibus foi principalmente pelo preço, já que alugar um carro a dois fica bem mais caro.

Assim, decidimos visitar Avignon e St Remy de Provence, partindo de Arles, pois nosso hotel era do lado da estação, o que facilitava a ida e mais ainda a chegada depois do cansaço de bater perna o dia inteiro.

Para se ter uma idéia de valores:

* Trem Arles - Avignon: 7.00 Euros com viagem durando 20 minutos
* Ônibus Arles - St Remy: 2.00 Euros (!) com viagem durando 50 minutos
* Alguel do carro mais simples: cerca de 100 dólares a diária

Deu para entender??

Nosso primeiro bate e volta foi para Avignon, que é conhecida pelo monumental Palácio dos Papas, maior construção gótica da Europa, e pela história da mudança da sede da Igreja de Roma para a França. 

No século XIV, após inúmeros confrontos pelo poder entre o líder da Igreja e o líder da Monarquia francesa, a residência do Papa foi transferida de Roma para terrenos que já pertenciam à Igreja em Avignon, e aí permaneceu por quase 70 anos. Este período, onde 7 papas franceses sucessivamente ocuparam o cargo principal da Igreja, caracterizou-se por um grande aumento da riqueza papal, pois cada papa que vinha a ocupar o cargo máximo no castelo tratava de orná-lo com objetos de arte prá lá e afrescos prá cá, transformando o castelo num local da mais pura ostentação, o que serviu para que, mais tarde, após a volta dos pontífices para Roma, tudo fosse saqueado.
Interessante saber que no final dessa briga aí, já no fim do século XIV, chegou-se a ter um papa em Roma e outro em Avignon (período conhecido como o Cisma do Ocidente), até que as Vossas Santidades decidiram viver em Roma, pelo menos até os dias de hoje.

Atualmente o Castelo dos Papas, juntamente com a Ponte de Avignon, outro ícone da cidade, são patrimônios da Unesco.

castelo dos papas
ponte de avignon
Nem preciso dizer que pasear por Avignon não é somente ver Papas e Pontes. Andamos a cidade inteira, vimos mercados fechados (Les Halles de Avignon), mercados de pulgas, igrejas, praças e ruas com ares medievais. Tomamos o melhor sorvete de chocolate com laranja da vida e vimos um cineminha lindo, com programação bem decente e eclética (vergonha alheia para certas cidades brasileiras beeem maiores que Avignon; meus amigos sergipanos sabem do que estou falando).

olha o cineminha aí
bilheteria e escada que leva à sala de projeção

les halles de avignon








St Remy de Provence foi a outra cidade para a qual fizemos um bate e volta desde Arles. Quando chegamos a cidade estava em plena comemoração da festa do touro e para minha sorte os touros que estavam soltos pela cidade dando chifradas ao léu já estava sendo recolhidos para serem levados nem sei para onde, coitados!
A primeira impressão então não foi das melhores. Mas era um engano terrível. St Remy é calma, pequenina, linda e agradável; super vale a visita.

Na pracinha principal da cidade está logo um retrato de um dos seus ilustres moradores temporários: Van Gogh viveu por um ano num asilo próximo a St Remy, o St-Paul Asylum.

praça central


Neste período em que ficou internado, Van Gogh pintou cerca de 100 quadros inspirados nos pacientes do asilo, nos jardins e nos arredores do mesmo, onde havia campo de trigos, oliveiras e videiras. Foi nesta época que Van Gogh começou a mudar seu estilo passando a usar pinceladas espiraladas e a abusar das cores primárias, sobretudo o amarelo, e foi no ano de 1889, ainda quando estava no asilo em St Remy, que o pintor criou um dos seus mais emblemáticos quadros, o belíssimo A Noite Estrelada.

a noite estrelada - van gogh 1889

Mas não só de Van Gogh vive St Remy... foi aí que nasceu Michel de Nostredame, conhecido por nós como Nostradamus (latinização do seu nome). O homem estudou nas universidades de Avignon e Montpellier, foi farmacêutico e médico com tendências alquimistas, e claro, escreveu vários livros onde descrevia suas capacidades de vidência. Né fraco, não!

casa de nostradamus


St Remy também tem uma linda praça onde comemos essa maravilhosa "planche de charcuterie et fromage"

além dos básicos: pracinhas, lojinhas, fontes, ruas estreitas, só que tudo muito calmo, limpo e com essas janelinhas coloridas. Fofa essa St Remy!




Por fim, ficou um motivo para voltar a St Remy. Este restaurante estava fechado, fotografei por um buraquinho da janela. Um dia quero ir almoçar lá!!